Superando desafios: o exemplo de Jacó


E Jacó ficou sozinho. Então veio um homem que se pôs a lutar com ele até o amanhecer. Gênesis 32:24



A vida é permeada por desafios que, muitas vezes, nos deixam amedrontados. De fato, é por meio deles que nossa fé é provada, a fim de que possamos confiar plenamente em Deus. É verdade que muitos problemas pelos quais passamos são consequências de escolhas que fizemos no passado; contudo, o Senhor nos envia o socorro na hora certa quando clamamos por Ele[1], por causa da Sua infinita misericórdia. Superar os erros do passado e crer no perdão de Deus também é um desafio. A Bíblia é perfeita porque relata as histórias de vida de homens falhos (assim como nós somos) que receberam a graça divina porque se arrependeram de seus pecados e porque escolheram viver sob a direção do Senhor. Podemos citar o exemplo de Jacó que, num momento crucial de sua vida, decidiu buscar em Deus o auxílio de que ele e sua família precisavam para sobreviver.

O livro de Gênesis, a partir do capítulo 25, relata a relação conflituosa entre os irmãos Esaú e Jacó. Esaú, o primogênito, era o filho preferido de Isaque e era caçador. Jacó cuidava das tendas e era o preferido de Rebeca. Certa vez, Esaú chegou com fome de uma caçada e Jacó lhe ofereceu um prato de lentilhas em troca do seu direito à bênção da primogenitura[2]. E Esaú aceitou, desprezando algo de muito valor.

Quando Isaque já estava prestes a falecer, ele chamou Esaú e pediu que fosse caçar e que lhe preparasse uma refeição. Nessa ocasião, Isaque o abençoaria. Ao ouvir a conversa dos dois, Rebeca instruiu a Jacó a se passar por seu irmão Esaú, a fim de receber a bênção em seu lugar. Dessa forma, Jacó enganou a seu pai e a seu irmão[3]. O fato de Jacó ter recebido a bênção causou profundo ódio em Esaú, a ponto deste planejar matá-lo tão logo seu pai viesse a morrer:

“Esaú guardou rancor contra Jacó por causa da bênção que seu pai lhe dera. E disse a si mesmo: ‘Os dias de luto pela morte de meu pai estão próximos; então matarei meu irmão Jacó’ Quando contaram a Rebeca o que seu filho Esaú dissera, ela mandou chamar Jacó, seu filho mais novo, e lhe disse: ‘Esaú está se consolando com a ideia de matá-lo. Ouça, pois, o que lhe digo, meu filho: Fuja imediatamente para a casa de meu irmão Labão, em Harã’". (Gênesis 27.41-43).

Para escapar da ira de seu irmão, Jacó fugiu para a casa de seu tio Labão. Enquanto estava a caminho, Deus se revelou a ele em sonho, confirmando todas as promessas proferidas por seu pai Isaque durante a bênção. Nessa ocasião, Jacó fez um voto a Deus, comprometendo-se a servi-Lo como único Deus se Ele não o desamparasse:

“Chegando a determinado lugar, parou para pernoitar, porque o sol já se havia posto. Tomando uma das pedras dali, usou-a como travesseiro e deitou-se. E teve um sonho no qual viu uma escada apoiada na terra; o seu topo alcançava os céus, e os anjos de Deus subiam e desciam por ela. Ao lado dele estava o Senhor, que lhe disse: ‘Eu sou o Senhor, o Deus de seu pai Abraão e o Deus de Isaque. Darei a você e a seus descendentes a terra na qual você está deitado. Seus descendentes serão como o pó da terra, e se espalharão para o Oeste e para o Leste, para o Norte e para o Sul. Todos os povos da terra serão abençoados por meio de você e da sua descendência. Estou com você e cuidarei de você, aonde quer que vá; e eu o trarei de volta a esta terra. Não o deixarei enquanto não fizer o que lhe prometi’. Quando Jacó acordou do sono, disse: ‘Sem dúvida o Senhor está neste lugar, mas eu não sabia!’ Teve medo e disse: "Temível é este lugar! Não é outro, senão a casa de Deus; esta é a porta dos céus". Na manhã seguinte, Jacó pegou a pedra que tinha usado como travesseiro, colocou-a de pé como coluna e derramou óleo sobre o seu topo. E deu o nome de Betel àquele lugar, embora a cidade anteriormente se chamasse Luz. Então Jacó fez um voto, dizendo: ‘Se Deus estiver comigo, cuidar de mim nesta viagem que estou fazendo, prover-me de comida e roupa, e levar-me de volta em segurança à casa de meu pai, então o Senhor será o meu Deus. E esta pedra que hoje coloquei como coluna servirá de santuário de Deus; e de tudo o que me deres certamente te darei o dízimo" (Gênesis 28:11-22).

Vale lembrar que Deus sempre se compromete a cumprir as Suas promessas e nunca se esquece dos votos que fazemos a Ele. Em Harã, Jacó constituiu família e trabalhou por vinte anos. Durante esse tempo, ele passou por profundas humilhações, com as quais foi aprendendo a depender de Deus[4]. Muitas vezes, o mesmo ocorre conosco: é nas situações de humilhação que o Senhor trabalha o nosso caráter, de forma que nos tornemos mais humildes, reconheçamos os nossos erros e sejamos dependentes do Seu agir.

Em Gênesis 31, vemos que Deus havia dado ordem para que Jacó retornasse a Canaã, terra de seus pais: “E o Senhor disse a Jacó: ‘Volte para a terra de seus pais e de seus parentes, e eu estarei com você’" (Gênesis 31:3). Interessante notar que Deus reafirma a sua promessa de não o abandonar, conforme prometera no caminho para Harã (Gn 28.15). Também vemos que os anjos do Senhor o encontraram durante a viagem, uma prova de que ele não estava sozinho (Gn 32.1-2). De alguma maneira, Deus sempre manifesta os sinais da Sua presença! Precisamos observar ao nosso redor.

Contudo, Jacó enfrentaria um grande desafio: para chegar à terra de seus pais, ele teria de atravessar o território onde vivia seu irmão Esaú, as terras de Edom. Por esse motivo, Jacó mandou avisá-lo que ele estava chegando com sua família. Embora Deus tivesse manifestado Seu cuidado de diferentes formas, Jacó temeu o que poderia acontecer porque sabia do ódio de seu irmão por ele. Por esse motivo, ele se apresentou como servo de seu irmão (Gn 32.4) e desejou a paz (Gn 32.5). Muitas vezes também somos abalados por notícias ruins, situações que tiram a nossa tranquilidade, mesmo sabendo que Deus está cuidado de nós.

E, para confirmar o seu temor, Jacó foi informado que Esaú vinha ao seu encontro com 400 homens (Gn 32.6). Com certeza, Esaú queria guerra! Esaú via a oportunidade de se vingar! Sua intenção não era fazer uma bela recepção, mas sim matar Jacó e toda a sua família! Quantas vezes passamos por situações ou enfrentamos pessoas que querem destruir nossas vidas, nossos sonhos, nossas famílias! Como reagir diante de situações desafiadoras? Com certeza, Deus pode transformar as lutas em aprendizado.

Diante da notícia da vinda de seu irmão, Jacó foi tomado por medo e angústia (Gn 32.7). Nesse momento, ele precisava tomar uma decisão: deveria voltar para a casa de Labão e sofrer novamente humilhação? Deveria sentar-se no caminho e lamentar? Deveria aceitar a sua derrota? Diante desse grande desafio, Jacó tomou duas atitudes:

Em primeiro lugar, Jacó orou ao Senhor: “Então Jacó orou: Ó Deus de meu pai Abraão, Deus de meu pai Isaque, ó Senhor que me disseste: ‘Volte para a sua terra e para os seus parentes e eu o farei prosperar; não sou digno de toda a bondade e lealdade com que trataste o teu servo. Quando atravessei o Jordão eu tinha apenas o meu cajado, mas agora possuo duas caravanas. Livra-me, rogo-te, das mãos de meu irmão Esaú, porque tenho medo que ele venha nos atacar, tanto a mim como às mães e às crianças. Pois tu prometeste: ‘Esteja certo de que eu o farei prosperar e farei os seus descendentes tão numerosos como a areia do mar, que não se pode contar’ " (Gênesis 32:9-12).
Podemos verificar os seguintes pontos nessa oração:

·       Jacó começa citando a ordem dada por Deus a ele (ó Senhor que me disseste: ‘Volte para a sua terra e para os seus parentes e eu o farei prosperar). Ele tinha convicção do que Deus havia falado a ele, e a decisão de voltar para Canaã foi por obediência. Do mesmo modo, precisamos andar em obediência à Palavra do Senhor.
·       Jacó declara que não é digno do favor de Deus (não sou digno de toda a bondade e lealdade com que trataste o teu servo). Ele reconhece a sua dependência do favor de Deus, pois a um espírito humilde o Senhor não rejeita[5]. É importante apresentarmos a Deus nossas fraquezas e limitações, além de declararmos nossa dependência da Sua graça e amor.
·       Jacó clama por livramento, confessando seu medo por seu irmão (Livra-me, rogo-te, das mãos de meu irmão Esaú, porque tenho medo de que ele venha nos atacar, tanto a mim como às mães e às crianças). Jacó apresenta a sua dificuldade, fazendo um pedido específico. Da mesma forma, Deus quer ouvir nossa petição por coisas específicas!
·       Jacó cita a promessa de Deus (Pois tu prometeste: ‘Esteja certo de que eu o farei prosperar e farei os seus descendentes tão numerosos como a areia do mar, que não se pode contar’). Ele cita a promessa que Deus fizera a Abraão[6], seu avô, pois ele sabe que aquela promessa se cumpriria na vida dele.  A oração deve estar fundamentada no caráter de Deus e nas Suas promessas! Como é importante conhecer a Sua Palavra e orar com base nela!

Após orar, a segunda atitude de Jacó foi preparar presentes para o seu irmão (Gn 32.13). Com isso, vemos que Jacó buscou estratégias para lidar com o desafio. Entendemos aqui que o Senhor não fará aquilo que cabe a nós fazer! Devemos crer, mas também devemos agir! E, por fé, Jacó escolheu abençoar Esaú: ele separou os melhores animais para dar de presente. Ele buscou fazer o seu melhor! Como tem sido a nossa vida? Procuramos fazer o nosso melhor, independente das circunstâncias?
O texto nos mostra que, após essas duas ações de Jacó (a oração e a separação dos presentes), Deus se revelou a ele no secreto:

Naquela noite Jacó levantou-se, tomou suas duas mulheres, suas duas servas e seus onze filhos para atravessar o lugar de passagem do Jaboque. Depois de havê-los feito atravessar o ribeiro, fez passar também tudo o que possuía. E Jacó ficou sozinho. Então veio um homem que se pôs a lutar com ele até o amanhecer. Quando o homem viu que não poderia dominá-lo, tocou na articulação da coxa de Jacó, de forma que lhe deslocou a coxa, enquanto lutavam. Então o homem disse: "Deixe-me ir, pois o dia já desponta". Mas Jacó lhe respondeu: "Não te deixarei ir, a não ser que me abençoes". O homem lhe perguntou: "Qual é o seu nome? " "Jacó", respondeu ele. Então disse o homem: "Seu nome não será mais Jacó, mas sim Israel, porque você lutou com Deus e com homens e venceu". Prosseguiu Jacó: "Peço-te que digas o teu nome". Mas ele respondeu: "Por que pergunta o meu nome? " E o abençoou ali. Jacó chamou àquele lugar Peniel, pois disse: "Vi a Deus face a face e, todavia, minha vida foi poupada". Ao nascer do sol atravessou Peniel, mancando por causa da coxa (Gênesis 32:22-31).

Jacó conduziu toda a sua família e todos os seus bens pelo ribeiro e depois ficou sozinho. Foi nesse momento que Deus se revelou a Ele. De igual forma, Deus quer se revelar a nós no secreto, no momento em que estamos a sós com Ele. Às vezes as grandes revelações da parte do Pai ocorrem quando estamos a sós, buscando diligentemente a Sua presença. Jesus deixou essa instrução para seus discípulos[7] e ele mesmo constantemente se retirava para orar sozinho[8].

A seguir, vemos uma das cenas mais emblemáticas da Bíblia: Jacó “luta” com um anjo, o qual tipifica o próprio Filho de Deus. Muitos dizem que esta foi uma luta física, o que não seria verdade porque é impossível resistir à força física de um anjo. Esta “luta” representa a persistência do clamor de Jacó pela sua bênção, o livramento de morte. Desse trecho, podemos destacar:

·      Jacó lutou com o homem, mas este não podia dominá-lo (Gn 32.24): esta “luta” retrata a insistência de Jacó por sua bênção – ele clamava pelo livramento de morte dele e da sua família. Da mesma forma, Deus espera de nós um coração cheio de fé, disposto a lutar pelas nossas causas. Claro que o anjo era muito mais forte e poderia facilmente derrotá-lo; mas ele não poderia resistir ao coração contrito e quebrantado de Jacó, que clamava pelo agir de Deus[9].
·      Jacó recebeu o toque do homem: esse toque é a marca da intervenção divina, para que Jacó não se esquecesse do Senhor e para que as pessoas reconhecessem Deus em sua vida. Da mesma forma, recebemos em nossa vida os sinais de Cristo, os quais dão testemunho da nossa fé.
·      Jacó recebeu uma bênção maior do que ele pedia: ele não apenas recebeu o livramento de morte, mas também recebeu um novo nome, o que revela a transformação do seu caráter. De Jacó, conhecido como “o enganador”, Deus muda seu nome para Israel, que significa “príncipe de Deus”, o que é reconhecido por sua luta e persistência pelo cumprimento da promessa de Deus. Aleluia! Do mesmo modo, somos transformados quando tocados pelo Senhor.

Após esse encontro com Deus, ocorre o encontro entre os dois irmãos. O relato bíblico nos mostra que Esaú estava completamente quebrantado: “Mas Esaú correu ao encontro de Jacó e abraçou-se ao seu pescoço, e o beijou. E eles choraram” (Gn 33:4).

Dessa forma, vemos que Deus transforma a história de Jacó por causa do posicionamento de fé e pela sua insistência em crer nas promessas que havia recebido. O seu erro do passado não foi limitador para o cumprimento do propósito de Deus, pois ele manifestou um arrependimento sincero. Com Jacó, aprendemos a lição da humildade como caminho para a vitória e entendemos a necessidade de apresentar nossos pedidos em oração e súplica, de forma específica, com base no que a Palavra diz.


Pai, que o exemplo de Jacó não seja apenas para conhecimento bíblico, mas seja uma realidade em minha vida! Eu me arrependo dos meus erros e decido que eles não vão impedir o cumprimento das Tuas promessas em minha vida! Eu me submeto ao Teu agir em mim, de modo que seja aperfeiçoada e me torne uma pessoa melhor! Quero apresentar tudo a Ti em oração, colocar diante de Ti todos os meus desafios, com base nas promessas que a Tua Palavra tem para mim!


Adriana Pessanha



[1] Deus é o nosso refúgio e a nossa fortaleza, auxílio sempre presente na adversidade (Salmos 46:1).
[2] O filho mais velho tinha o direito de herdar a autoridade do pai sobre os demais membros da família. Com a morte do pai, ele se tornava o patriarca. Além disso, ele recebia o dobro dos bens da herança do seu pai (Dt 21:17)
[3] Mas ele (Isaque) respondeu: "Seu irmão chegou astutamente e recebeu a bênção que pertencia a você". E disse Esaú: "Não é com razão que o seu nome é Jacó? Já é a segunda vez que ele me engana! Primeiro, tomou o meu direito de filho mais velho e agora recebeu a minha bênção! " Então perguntou ao pai: "O senhor não reservou nenhuma bênção para mim? " (Gênesis 27:35,36)
[4] Em Harã, Jacó se apaixonou por Raquel e trabalhou sete anos para se casar com ela, mas foi enganado por seu tio que lhe dera a irmã mais velha, Lia. Trabalhou por mais sete anos por amor a Raquel. Nesse tempo, Jacó trabalhou arduamente, sendo constantemente enganado por Labão.
[5] Os sacrifícios que agradam a Deus são um espírito quebrantado; um coração quebrantado e contrito, ó Deus, não desprezarás (Salmos 51:17).
[6] esteja certo de que o abençoarei e farei seus descendentes tão numerosos como as estrelas do céu e como a areia das praias do mar. Sua descendência conquistará as cidades dos que lhe forem inimigos (Gênesis 22:17)
[7] Mas quando você orar, vá para seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai, que está no secreto. Então seu Pai, que vê no secreto, o recompensará (Mateus 6:6).
[8] De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus levantou-se, saiu de casa e foi para um lugar deserto, onde ficou orando (Marcos 1:35); Tendo-a despedido, subiu a um monte para orar (Marcos 6:46)
[9] Os sacrifícios que agradam a Deus são um espírito quebrantado; um coração quebrantado e contrito, ó Deus, não desprezarás (Salmos 51:17).

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